quinta-feira, 30 de abril de 2009

Homenagem a uma Alma Nobre...

O entusiasmo de uma aluna de Ciências

Já sou professor há duas décadas e durante esse período de tempo todo(a)s o(a)s aluno(a)s me marcaram. Contudo, hoje, vou escrever sobre uma aluna em particular. Vou falar-vos da Sofia e vou falar-vos de mim próprio. A Sofia foi uma menina extraordinária, tal como são todos os meus alunos! Enquanto mantivemos uma relação professor-aluna mais próxima, entre 2003 e 2005, tive a honra de ver uma menina entrar todas as semanas no laboratório de Biologia da Escola Secundária de Estarreja. Impressionava pela sua educação, simpatia e alegria contagiantes. Não me recordo desta menina alguma vez ter feito um queixume ou uma cena de vitimização, como é comum nas nossas salas de aula. Queria aprender! Queria praticar! Os seus olhos brilhavam com cada no desafio proposto, com cada nova actividade a desenvolver e sorria, sorria muito! Mesmo que o professor não sorrisse, mesmo que o/as colegas não sorrissem, a Sofia inundava-nos de alegria.


Plantas ou animais, microscópios ou lupas, campo ou laboratório eram uma satisfação para a Sofia.



Há uns meses atrás, soube que esta menina estava com um grave problema de saúde. Procurei todas as fotos e filmes que pudesse ter registado do seu trabalho nas minhas aulas. Não encontrei nada, à excepção de desenhos por ela efectuados em aulas laboratoriais. Eu acredito na não-localidade quântica e acredito na força da intenção no auxílio de pessoas doentes. Achei muito estranho, porque sabia ter registos de praticamente todos os alunos da turma dela. Na altura questionei-me: "Como posso ter-me esquecido da Sofia?"...
Há relativamente pouco tempo, uma amiga dela, deu-me a notícia... A Sofia tinha morrido. Pediu-me, então, que lhe enviasse as fotos que tivesse da amiga e do seu trabalho nas aulas. Mais uma vez, procurei esses registos e encontrei-os. Há coisas que me deixam atónito. Efectuei a mesma procura, utilizando os mesmo critérios de busca nas centenas de ficheiros que guardo das minhas aulas e, finalmente, encontrei as fotos da Sofia... Sempre os tive e não era para os encontrar enquanto estivesse doente.


O que aprendi com a Sofia?
A Sofia teve um papel muito importante a cumprir nesta existência física. Ela materializava toda a alegria de uma turma e dos respectivos professores. A isto chamo uma projecção colectiva: se não somos capazes, enquanto colectivo, de expressar alegria, simpatia e outros sentimentos de luz, vamos metê-los no saco ou projectá-los num indivíduo que não tenha medo de expressá-los. A Sofia funcionou, assim, como uma projecção da sombra de luz de muitas pessoas. Esta glória ninguém lha tira! Ela mostrou-nos o que está em nós! As almas nobres são assim. São de uma sabedoria de tal forma ampla que, a um nível mais profundo, escolhem curtas existências nesta realidade (i)material e as pessoas com as quais terão de interactuar. Não importa o que queiramos fazer com elas. Não importa que queiramos curá-las, protegê-las ou ensiná-las. Nunca são verdadeiramente "aprendizes", são verdadeiramente livres, já sabem quase tudo, não precisam de estar aqui muito tempo. A arrogância é completamente aceite por uma alma nobre, como tal, é devolvida de forma determinada. Uma alma nobre não precisa de ser curada, porque nos mostra os caminhos da cura. Nós temos muito a aprender com elas. É preciso estarmos despertos e conscientes para o que elas nos têm para dizer. Depois de desaparecerem, só há três formas de mostrar o amor que sentimos por elas e por nós mesmos: sorrindo, sentindo-nos gratos por terem passado pelas nossas vidas e deixando-as partir.
Obrigado Sofi! Até sempre!

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Saída de Campo ao Vale do rio Antuã - Estarreja

A primeira semana de aulas começou da melhor maneira, para os alunos do 11º B da Escola Secundária de Estarreja. Providos de boa disposição contagiante, acompanharam-me no meu ambiente favorito de ensino-aprendizagem: o campo! A saída tinha vindo a ser preparada há uns meses. 

A preparação da saída de campo...

No laboratório, os alunos contactaram com materiais geológicos que iriam observar no campo, aprenderam em aulas teóricas e teórico-práticas os conceitos que estiveram em jogo no decorrer do evento e localizaram a área geográfica no Google Earth. Enfim, prepararam as âncoras conceptuais necessárias à compreensão e interpretação dos fenómenos observados na natureza. 


A saída de campo...






A aula no campo reuniu 26 aluno(a)s, relativamente interessados em aprender mais sobre o meio que os rodeia.  Ao longo de quatro estações de estudo, observaram processos e materiais relacionados com os subsistemas terrestres e respectivas interacções.



Estação 1 - O Caminho das Ribeiras





Extraordinário afloramento artificial de rochas xistosas, nomeadamente filádios com clorite, localizado a cerca de 20 m do leito do rio Antuã. Estas rochas estão deformadas e dispõem-se em estratos de inclinação subvertical. Estes diferem na cor e no teor de materiais finos constituintes (siltes e argilas). Este afloramento em forma de "L" apresenta-se sob a forma de duas escarpas: 
  • a Sul, sub-exposta à luz solar, com diversas nascentes, originadas a partir das águas de circulação subterrânea; nas zonas fracturadas de elevado teor hídrico proliferam diversas espécies de fetos e hepáticas;
  • a Este, exposta à luz solar na maior parte do dia, com superfície pouco alterada mas instável, devido à meteorização física e à acção gravítica.

Estação 2 - O Caminho da Lavoura




Corresponde a um antigo caminho florestal. Este assegurava a comunicação entre as zonas de cota baixa do leito de cheia do rio Antuã e os terrenos agrícolas de cota mais elevada. O desnível topográfico atravessa os xistos de Arada, em alguns sítios muito alterados, e depósitos sedimentares que os recobrem.  No sentido ascendente do percurso, observa-se:
  • a meteorização química do xistos e o seu desmantelamento por acção das raízes do coberto vegetal;
  •  a sobreposição gradual dos depósitos quaternários na superfície erosiva do xistos de Arada;
  • os depósitos quaternários, essencialmente arenosos e argilo-arenosos, com níveis conglomeráticos de clastos quartzíticos rolados e orientados; estes níveis incoerentes evidenciam igualmente a acção das raízes e das águas de escorrência superficial, as quais produzem microchaminés-de-fada em alguns pontos localizados.
Estação 3 - Turbina



Corresponde a uma antiga represa para aproveitamento hidroeléctrico do rio Antuã. Hoje abandonada, é uma das zonas do curso do rio onde se observa com maior facilidade a alteração dinâmica do leito de cheia e aparente do rio. Dependendo do caudal do rio e respectiva turbidez, é possível a observação de ripple marks no leito. As antigas instalações da turbina estão localizadas na margem côncava de um meandro. Com o tempo a degradação dessas instalações é, por isso, cada vez maior, correndo o risco de ruir nos próximos anos... A margem convexa engloba dois subambientes de deposição distintos:
  • barra de meandro arenosa;
  • planície de inundação silto-argilosa, separada do leito aparente pela barra de meandro.
Estação 4 - Ponte velha




Corresponde, igualmente a uma meandro do rio Antuã. Este está, na actualidade, mais intervencionado pelo Homem do que o anterior. O meandro é atravessado por uma estrada municipal, a qual é inundada periodicamente em períodos de cheia. É possível a observação da barra de meandro, na margem esquerda do rio, com ripple marks, canal de erosão, litoclastos, etc.

O que fazer depois da saída de campo?...

Os alunos irão integrar o que aprenderam de novo no "laboratório natural" e construirão conhecimentos muito mais abstractos, relacionados com a paleogeografia da área e respectiva história geológica, bem como hidrogeologia e exploração regional dos recursos geológicos. Naturalmente, farão juízos de valor que envolverão aprendizagens para a vida. A natureza tem muitas lições de vida para dar aos nossos jovens. Isso será tema para outra mensagem de blog...

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Grutas de S. Vicente - Madeira

Aprendizagem com o meu hemisfério cerebral esquerdo...

Resolvi passar este período de interrupção de actividades lectivas numa ilha, para mim mal conhecida - a Madeira. Tive o prazer de desfrutar vários percursos de contacto com directo com a Natureza. Um dos locais que mais me marcou. Há algo de mágico no lugar, talvez a vegetação luxuriante rodeada por escarpas de rocha vulcânica, esculpidas pela água e envolvidas pelas nuvens do Atlântico ou, simplesmente, projectei a minha magia no lugar. O objectivo desta curta paragem em S. Vicente foi a visita das respectivas grutas. Não se tratam de grutas como as que encontramos no maciço calcário estremenho, no centro de Portugal Continental. Estas, são criadas pela lenta dissolução do carbonato de cálcio, presente na rocha calcária, por acção de águas gasocarbónicas que se infiltram através de fracturas da própria rocha.
As grutas de S. Vicente têm uma origem muito diferente. Geologicamente, são cavidades naturais por onde fluíram lavas extruídas em consequência da actividade vulcânica efusiva. As paredes rochosas destes tubos de lava formaram uma espécie de crosta, a qual funcionou como isolante térmico, mantendo as altas temperaturas do fluxo lávico e permitindo a sua condução subterrânea através de longas distâncias, desde o centro eruptivo até à superfície ou até ao mar. À medida que o fluxo de lava se retrai podem cair pingos de lava do tecto do tubo que, ao consolidar, deixam projecções semelhantes a estalactites. Estas e outras estruturas primárias de actividade vulcânica são visíveis nestas grutas.





O labirinto de galerias visitáveis em S. Vicente tem uma outra curiosidade. Uma curiosidade biológica. Em alguns pontos iluminados artificialmente do tecto, das paredes e do chão das cavernas desenvolvem-se fetos e musgos de várias espécies. Em algumas zonas, há autênticos "jardins" destas plantas capazes de se disseminar por esporos. Os esporos, produzidos pelos progenitores destes indivíduos subterrâneos, viajaram desde a superfície até estas galerias, onde as águas de infiltração podem circular transportando aquelas células reprodutoras. Na presença dos focos luminosos produzidos pelas lâmpadas, os esporos germinam, originando um indivíduo produtor de gâmetas, chamado gametófito. O gametófito é o indivíduo onde tem lugar a reprodução sexuada, a qual vai permitir a génese de outro indivíduo designado esporófito. Nos fetos, o esporófito é a própria planta adulta, diferenciada em raízes, caule e folhas. Na semi-obscuridade destas cavernas, estes são os elementos anatómicos mais evidentes. É possível a identificação automática do género Adiantum (avencas) e das espécies Cystopteris viridula e Asplenium hemionitis (feto-de-folha-de-hera). Esta última é uma espécie protegida pela sua raridade.


Aprendizagem para a vida (o meu hemisfério cerebral direito gosta de se revelar...)

Esta visita às grutas de S. Vicente deram-me uma lição de vida muito importante. Mesmo dentro da caverna mais escura com as condições adequadas a vida pode despontar. Mesmo dentro do canto mais escuro da nossa existência pode haver focos de luz que fazem germinar a mais ínfima fonte de vida. Todos temos essas potencialidades escondidas, muitas vezes envolvidas pela sombra mais escura. Ao longo dos nossos percursos de vida há focos de luz que emergem da escuridão e fazem nascer novos hábitos e desafios. É muito bom continuarmos a abraçar a nossa sombra para que percebamos os presentes que ela tem para nos oferecer, nem que seja sob a forma de delicadas e frondosas plantas verdes nos tubos de lava de S. Vicente...