Aprendizagem com o meu hemisfério cerebral esquerdo...Resolvi passar este período de interrupção de actividades lectivas numa ilha, para mim mal conhecida - a Madeira. Tive o prazer de desfrutar vários percursos de contacto com directo com a Natureza. Um dos locais que mais me marcou. Há algo de mágico no lugar, talvez a vegetação luxuriante rodeada por escarpas de rocha vulcânica, esculpidas pela água e envolvidas pelas nuvens do Atlântico ou, simplesmente, projectei a minha magia no lugar. O objectivo desta curta paragem em
S. Vicente foi a visita das respectivas
grutas. Não se tratam de grutas como as que encontramos no
maciço calcário estremenho, no centro de Portugal Continental. Estas, são criadas pela lenta dissolução do carbonato de cálcio, presente na rocha calcária, por acção de águas gasocarbónicas que se infiltram através de fracturas da própria rocha.
As grutas de S. Vicente têm uma origem muito diferente. Geologicamente, são cavidades naturais por onde fluíram lavas extruídas em consequência da actividade vulcânica efusiva. As paredes rochosas destes
tubos de lava formaram uma espécie de crosta, a qual funcionou como isolante térmico, mantendo as altas temperaturas do fluxo lávico e permitindo a sua condução subterrânea através de longas distâncias, desde o centro eruptivo até à superfície ou até ao mar. À medida que o fluxo de lava se retrai podem cair pingos de lava do tecto do tubo que, ao consolidar, deixam projecções semelhantes a estalactites. Estas e outras estruturas primárias de actividade vulcânica são visíveis nestas grutas.
O labirinto de galerias visitáveis em S. Vicente tem uma outra curiosidade. Uma curiosidade biológica. Em
alguns pontos iluminados artificialmente do tecto, das paredes e do chão das cavernas desenvolvem-se fetos e musgos de várias espécies. Em algumas zonas, há autênticos "jardins" destas plantas capazes de se disseminar por esporos. Os esporos, produzidos pelos progenitores destes indivíduos subterrâneos, viajaram desde a superfície até estas galerias, onde as águas de infiltração podem circular transportando aquelas células reprodutoras. Na presença dos focos luminosos produzidos pelas lâmpadas, os esporos germinam, originando um indivíduo produtor de gâmetas, chamado gametófito. O gametófito é o indivíduo onde tem lugar a reprodução sexuada, a qual vai permitir a génese de outro indivíduo designado esporófito. Nos
fetos, o esporófito é a própria planta adulta, diferenciada em raízes, caule e folhas. Na semi-obscuridade destas cavernas, estes são os elementos anatómicos mais evidentes. É possível a identificação automática do género
Adiantum (avencas) e das espécies
Cystopteris viridula e
Asplenium hemionitis (feto-de-folha-de-hera). Esta última é uma espécie protegida pela sua raridade.
Aprendizagem para a vida (o meu hemisfério cerebral direito gosta de se revelar...)Esta visita às grutas de S. Vicente deram-me uma lição de vida muito importante. Mesmo dentro da caverna mais escura com as condições adequadas a vida pode despontar. Mesmo dentro do canto mais escuro da nossa existência pode haver focos de luz que fazem germinar a mais ínfima fonte de vida. Todos temos essas potencialidades escondidas, muitas vezes envolvidas pela sombra mais escura. Ao longo dos nossos percursos de vida há focos de luz que emergem da escuridão e fazem nascer novos hábitos e desafios. É muito bom continuarmos a abraçar a nossa sombra para que percebamos os presentes que ela tem para nos oferecer, nem que seja sob a forma de delicadas e frondosas plantas verdes nos tubos de lava de S. Vicente...